segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

QUESTÕES SOBRE ROMANTISMO - ENEM E CONCURSO

QUESTÃO  13
Provas: CESPE 2016 – Instituto Rio Branco Diplomata Parte 2

Acerca da vida cultural no mundo moderno, julgue (C ou E) os itens subsequentes.

Uma das preocupações legadas pelo Romantismo a diversos movimentos de vanguarda nas artes visuais do final do século XIX e início do século XX, como o Expressionismo e o Cubismo, foi a tendência a idealizar o passado medieval europeu, combinada à crítica à tecnificação das relações entre os seres humanos e a natureza.

(   )Errado
(   )Certo

QUESTÃO 14
Provas: CESPE 2016 – Instituto Rio Branco Diplomata – Parte 2

Acerca da vida cultural no mundo moderno, julgue (C ou E) os itens subsequentes.

Característica comum a diferentes meios de expressão artística do Romantismo europeu foi a crítica ao racionalismo cientificista associado, entre outras, à figura de Isaac Newton.

(   )Errado
(   )Certo


QUESTÃO 15
Provas: INEP 2016 – ENEM – Prova Amarela Segundo Dia 2 – 2ª aplicação

O último longa de Carlão acompanha a operária Silmara, que vive com o pai, um ex-presidiário,
numa casa da periferia paulistana. Ciente de sua beleza, o que lhe dá certa soberba, a jovem acredita que terá um destino diferente do de suas colegas. Cruza o caminho de dois cantores por quem é apaixonada. E constata, na prática, que o romantismo dos contos de fada tem perna curta.
VOMERO, M. F. Romantismo de araque. Vida Simples, n. 121, ago. 2012

Reconhece-se, nesse trecho, uma posição crítica aos ideais de amor e felicidade encontrados nos contos de fada. Essa crítica é traduzida

a) pela descrição da dura realidade da vida das operárias.
b) pelas decepções semelhantes às encontradas nos contos de fada.
c) pela ilusão de que a beleza garantiria melhor sorte na vida e no amor.
d) pelas fantasias existentes apenas na imaginação de pessoas apaixonadas.
e) pelos sentimentos intensos dos apaixonados enquanto vivem o romantismo.


QUESTÃO 16
Provas: INEP 2015 ENEM - Prova Azul Segundo Dia

Quem não se recorda de Aurélia Camargo, que atravessou o firmamento da corte como brilhante meteoro, e apagou-se de repente no meio do deslumbramento que produzira seu fulgor? Tinha ela dezoito anos quando apareceu a primeira vez na sociedade. Não a conheciam; e logo buscaram todos com avidez informações acerca da grande novidade do dia. Dizia-se muita coisa que não repetirei agora, pois a seu tempo saberemos a verdade, sem os comentos malévolos de que usam vesti-la os noveleiros. Aurélia era órfã; tinha em sua companhia uma velha parenta, viúva, D. Firmina Mascarenhas, que sempre a acompanhava na sociedade. Mas essa parenta não passava de mãe de encomenda, para condescender com os escrúpulos da sociedade brasileira, que naquele tempo não tinha admitido ainda certa emancipação feminina. Guardando com a viúva as deferências devidas à idade, a moça não declinava um instante do firme propósito de governar sua casa e dirigir suas ações como entendesse. Constava também que Aurélia tinha um tutor; mas essa entidade era desconhecida, a julgar pelo caráter da pupila, não devia exercer maior influência em sua vontade, do que a velha parenta.

ALENCAR, J. Senhora. São Paulo: Ática, 2006

O romance Senhora, de José de Alencar, foi publicado em 1875 . No fragmento transcrito, a presença de D. Firmina Mascarenhas como "parenta" de Aurelia Camargo assimila práticas e convenções sociais inseridas no contexto do Romantismo, pois

a) o trabalho ficcional do narrador desvaloriza a mulher ao retratar a condição feminina na sociedade brasileira da época.
b) o trabalho ficcional do narrador mascara os hábitos sociais no enredo de seu romance.
c) as características da sociedade em que Aurélia vivia são remodeladas na imaginação do narrador romântico.
d) o narrador evidencia o cerceamento sexista à autoridade da mulher, financeiramente independente.
e) o narrador incorporou em sua ficção hábitos muito avançados para a sociedade daquele período histórico.






GABARITO

QUESTÃO 13 - Errado
QUESTÃO  14 - Certo
QUESTÃO 15 - C
QUESTÃO 16 - D


SINOPSE DO LIVRO SENHORA, DE JOSÉ DE ALENCAR



Senhora, publicado em 1875, constitui um dos romances mais complexos de José de Alencar, pela concentração nos problemas humanos e suas implicações psíquicas, elemento fundamental para o romance psicológico.
Moça pobre e órfã de pai, Aurélia Camargo é noiva de Fernando Seixas, rapaz de boa índole, mas entusiasmado pela perspectiva d um bom dote. Assim é que ele troca o amor de Aurélia pelo dote de Adelaide.
Aurélia, porém, fica milionária com a morte do avô e quer reaver seu ex-noivo, oferecendo-lhe um dote de cem contos, quantia elevada para a época. Fernando aceita o casamento, mas em vez de esposa encontra uma “senhora” de quem se sente escravo; na noite do casamento, Aurélia comunica-lhe que deverão viver como estranhos, embora aparentado felicidade perante a opinião pública. Fernando trabalha com afinco para conseguir a soma necessária para saldar o seu compromisso e reconquistar Aurélia.
O romance é constituído de quatro partes e cada uma delas recebe um nome estritamente comercial:
1ª parte: o preço
2ª parte: Quitação
3ª parte: Posse
4ª parte: Resgaste



  
Biografia e principais obras de José de Alencar

José de Alencar (1829-1877) foi romancista, dramaturgo, jornalista, advogado e político brasileiro. Foi um dos maiores representantes da corrente literária indianista. Destacou-se na carreira literária com a publicação do romance "O Guarani", em forma de folhetim, no Diário do Rio de Janeiro, onde alcançou enorme sucesso. Foi escolhido por Machado de Assis, para patrono da Cadeira nº 23, da Academia Brasileira de Letras.
O regionalismo presente em suas obras, abriu caminho para outros sertanistas, preocupados em mostrar o Brasil rural.
José de Alencar criou uma literatura nacionalista onde se evidencia uma maneira de sentir e pensar tipicamente brasileiras. Suas obras são especialmente bem sucedidas quando o autor transporta a tradição indígena para a ficção. Tão grande foi a preocupação de José de Alencar em retratar sua terra e seu povo que muitas das páginas de seus romances relatam mitos, lendas, tradições, festas religiosas, usos e costumes observados pessoalmente por ele, com o intuito de, cada vez mais, abrasileirar seus textos.
Famoso, a ponto de ser aclamado por Machado de Assis como "o chefe da literatura nacional", José de Alencar morreu aos 48 anos no Rio de Janeiro vítima da tuberculose, em 12 de dezembro de 1877, deixando seis filhos, inclusive Mário de Alencar, que seguiria a carreira de letras do pai.
Obras de José de Alencar

Cinco Minutos, romance, 1856;
Cartas Sobre a Confederação dos Tamoios, crítica, 1856;
O Guarani, romance, 1857;
Verso e Reverso, teatro, 1857;
A Viuvinha, romance, 1860;
Lucíola, romance, 1862;
As Minas de Prata, romance, 1862-1864-1865;
Diva, romance, 1864;
Iracema, romance, 1865;
Cartas de Erasmo, crítica, 1865;
O Juízo de Deus, crítica, 1867;
O Gaúcho, romance, 1870;
A Pata da Gazela, romance, 1870;
O Tronco do Ipê, romance, 1871;
Sonhos d'Ouro, romance, 1872;
Til, romance, 1872;
Alfarrábios, romance, 1873;
A Guerra dos Mascate, romance, 1873-1874;
Ao Correr da Pena, crônica, 1874;
Senhora, romance, 1875;
O Sertanejo, romance, 1875.






Análise de texto: Senhora – José de Alencar


Informações:

Ano: 1875,  data da publicação do romance Senhora.
Autor: José de Alencar
Lugar: Rio de Janeiro, lugar onde transcorre a ação.
Personagens principais do romance: Aurélia Camargo e Fernando Seixas



Imagine a seguinte situação:

Estamos em 1875, em São Paulo. Você está muito ansioso, porque finalmente chegara a carta tão esperada de seu amigo do Rio de Janeiro, José.  Agora ficaria sabendo todos os detalhes do comentado casamento de Aurélia Camargo com Fernando Seixas. Você se dirige ao escritório. Senta-se em frente à janela. Abre a carta. Começa ler.


Reunira-se na casa das Laranjeiras, a convite de Aurélia, uma sociedade escolhida e não muito numerosa para assistir ao casamento.
(...)
Não faltaram amigos e conhecidos, que sugerissem a Aurélia a lembrança de fazer o casamento à moda européia, com o romantismo da viagem logo depois da cerimônia, a lua-de-mel campestre, e o baile de estrondo na volta à Corte.
Ela, porém, recusou todos esses alvitres; resolveu casar-se ao costume da terra, à noite, em oratório particular, na presença de algumas senhoras e cavalheiros, que lhe fariam, a ela órfã e só no mundo, as vezes da família que não tinha.
Celebrara-se a cerimônia às oito horas. Lemos conseguira um barão para servir de contrapeso ao Ribeiro e um monsenhor para oficiar.
Quanto à madrinha, Aurélia escolhera D. Margarida Ferreira, respeitável senhora, que lhe mostrara desinteressada amizade, desde a primeira vez que a encontrou na sociedade.
No momento de ajoelhar aos pés do celebrante, e de pronunciar o voto perpétuo que a ligava ao destino do homem por ela escolhido, Aurélia com o decoro que revestia seus menores gestos e movimentos, curvara a fronte, envolvendo-se pudicamente nas sombras diáfanas dos cândidos véus de noiva.
(...)
Os convidados, que antes lhe admiravam a graça peregrina, essa noite a achavam deslumbrante, e compreendiam que o amor tinha colorido com as tintas de sua palheta inimitável, a já tão feiticeira beleza, envolvendo-a de irresistível fascinação.
(...)
Também a fisionomia de Seixas se iluminava com o sorriso da felicidade. O orgulho de ser o escolhido daquela encantadora mulher ainda mais lhe ornava o aspecto já de si nobre e gentil.
Efetivamente, no marido de Aurélia podia-se apreciar essa fina flor da suprema distinção, que não se anda assoalhando nos gestos pretensiosos e nos ademanes artísticos; mas reverte do íntimo com uma fragrância que a modéstia busca recatar, e não obstante exala-se dos seios d’alma.
Depois da cerimônia começaram os parabéns que é de estilo dirigir aos noivos e a seus parentes.
(...)
Para animar a reunião as moças improvisaram quadrilhas, no intervalo das quais um insigne pianista, que fora mestre de Aurélia, executava os melhores trechos de óperas então em voga.
Por volta das dez horas despediram-se as famílias convidadas.

ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo, Moderna, 1984. Cap. 12, p. 82-4.

Vocabulário:

De estrondo: pomposo, luxuoso, grandioso.
Alvitre: sugestão.
Oficiar: celebrar.
Decoro: dignidade, decência.
Diáfano: transparente.
Peregrino: extraordinário, raro.
Assoalhar: mostrar, expor.
Ademane: gesto afetado.
Reverter: sair, provir.
Insigne: notável, célebre.
Em voga: na moda, atual.

Responda:
1 - José de Alencar referiu-se a uma “sociedade escolhida e não muito numerosa”. Em sua opinião, essa sociedade era representada por qual classe social?

2 - Que profissões exerciam as pessoas dessa classe social?

3 - O fato de Aurélia “casar-se ao costume da terra” demonstra que característica do Romantismo?

4 - Aurélia casou-se à moda da terra. Porém, a cerimônia foi cercada por um certo requinte condizente com a sua classe social. Responda:
a) Quais detalhes evidenciam esse requinte?

b) Relacione esse requinte com a visão que o escritor romântico tem da sociedade.

5 - Como Aurélia pode ser caracterizada no momento da cerimônia?

6 - Que impressão José de Alencar passou a respeito de Fernando?








GABARITO
1 - José de Alencar referiu-se a uma “sociedade escolhida e não muito numerosa”. Em sua opinião, essa sociedade era representada por qual classe social?
Pela burguesia, por pessoas de alto poder aquisitivo.
2 - Que profissões exerciam as pessoas dessa classe social?
Resposta pessoal. Sugestão: médicos, advogados, etc.
3 - O fato de Aurélia “casar-se ao costume da terra” demonstra que característica do Romantismo?
O nacionalismo
4 - Aurélia casou-se à moda da terra. Porém, a cerimônia foi cercada por um certo requinte condizente com a sua classe social. Responda:
a) Quais detalhes evidenciam esse requinte?
Oratório particular, traje requintado da noiva, presença de um insigne pianista que executava os melhores trechos de ópera da época.
b) Relacione esse requinte com a visão que o escritor romântico tem da sociedade.
É a visão de uma sociedade burguesa, ideal e perfeita.
5 - Como Aurélia pode ser caracterizada no momento da cerimônia?
Pura, alegre vitoriosa, formosa, esplêndida.
6 - Que impressão José de Alencar passou a respeito de Fernando?
Distinto, modesto, humilde, uma pessoa com sentimento.




sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

BARROCO

GREGÓRIO DE MATOS


Gregório de Matos (1636-1695) foi um poeta baiano do século XVII conhecido como “Boca do Inferno”. Esse apelido foi devido ao fato de, em seus poemas, criticar a Igreja católica, as autoridades locais e os costumes de seus contemporâneos em geral. Nasceu em Salvador, no tempo em que essa cidade era a capital do Brasil Colônia. É considerado o maior poeta do Barroco brasileiro.

Observe de que maneira ele descrevia a cidade de Salvador, sede do governo colonial.

"Descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia"

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem freqüente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres*,
Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras** nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.

*Na visão de Gregório de Matos, os mulatos em ascensão subjugam com esperteza os verdadeiros “homens nobres”.
**usura: desejo exacerbado de poder e riqueza; cobiça.

A Bahia de dessa época aparece com um tom nostálgico, e o poeta faz uma crítica à decadência moral e econômica da cidade naquele momento. Os comerciantes são os detentores do poder político e econômico e agem de maneira oportunista, enquanto os trabalhadores honestos encontram-se na pobreza.
Trata-se de soneto satírico e, como todo soneto, é composto por versos decassílabos em esquema de rimas ABBA, ABBA, CDE, CDE.



Vemos essa mesma inconformidade e lamentação em outro famoso soneto "À cidade da Bahia", onde percebe-se a decadência dos engenhos de açúcar e a ascensão de uma burguesia oportunista.
À cidade da Bahia
Triste Bahia! oh! quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
 
Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mim abundante.

A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.

Oh! Se quisera Deus que, de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
Fonte: Spina, S. 1995. A poesia de Gregório de Matos. SP, Edusp.



quinta-feira, 20 de outubro de 2016

CEM ANOS DE PERDÃO - Clarice Lispector


Quem nunca roubou não vai me entender. E quem nunca roubou rosas, então é que jamais poderá me entender. Eu, em pequena, roubava rosas.

Havia em Recife inúmeras ruas, as ruas dos ricos, ladeadas por palacetes que ficavam no centro de grandes jardins. Eu e uma amiguinha brincávamos muito de decidir a quem pertenciam os palacetes. "Aquele branco é meu." "Não, eu já disse que os brancos são meus." Parávamos às vezes longo tempo, a cara imprensada nas grades, olhando.

Começou assim. Numa dessas brincadeiras de "essa casa é minha", paramos diante de uma que parecia um pequeno castelo. No fundo via-se o imenso pomar. E, à frente, em canteiros bem ajardinados, estavam plantadas as flores.

Bem, mas isolada no seu canteiro estava uma rosa apenas entreaberta cor-de-rosa-vivo. Fiquei feito boba, olhando com admiração aquela rosa altaneira que nem mulher feita ainda não era. E então aconteceu: do fundo de meu coração, eu queria aquela rosa para mim. Eu queria, ah como eu queria. E não havia jeito de obtê-la. Se o jardineiro estivesse por ali, pediria a rosa, mesmo sabendo que ele nos expulsaria como se expulsam moleques. Não havia jardineiro à vista, ninguém. E as janelas, por causa do sol, estavam de venezianas fechadas. Era uma rua onde não passavam bondes e raro era o carro que aparecia. No meio do meu silêncio e do silêncio da rosa, havia o meu desejo de possuí-la como coisa só minha. Eu queria poder pegar nela. Queria cheirá-la até sentir a vista escura de tanta tonteira de perfume.

Então não pude mais. O plano se formou em mim instantaneamente, cheio de paixão. Mas, como boa realizadora que eu era, raciocinei friamente com minha amiguinha, explicando-lhe qual seria o seu papel: vigiar as janelas da casa ou a aproximação ainda possível do jardineiro, vigiar os transeuntes raros na rua. Enquanto isso, entreabri lentamente o portão de grades um pouco enferrujadas, contando já com o leve rangido. Entreabri somente o bastante para que meu esguio corpo de menina pudesse passar. E, pé ante pé, mas veloz, andava pelos pedregulhos que rodeavam os canteiros. Até chegar à rosa foi um século de coração batendo.

Eis-me afinal diante dela. Para um instante, perigosamente, porque de perto ela é ainda mais linda. Finalmente começo a lhe quebrar o talo, arranhando-me com os espinhos, e chupando o sangue dos dedos.

E, de repente - ei-la toda na minha mão. A corrida de volta ao portão tinha também de ser sem barulho. Pelo portão que deixara entreaberto, passei segurando a rosa. E então nós duas pálidas, eu e a rosa, corremos literalmente para longe da casa.

O que é que fazia eu com a rosa? Fazia isso: ela era minha.

Levei-a para casa, coloquei-a num copo d'água, onde ficou soberana, de pétalas grossas e aveludadas, com vários entretons de rosa-chá. No centro dela a cor se concentrava mais e seu coração quase parecia vermelho.

Foi tão bom.

Foi tão bom que simplesmente passei a roubar rosas. O processo era sempre o mesmo: a menina vigiando, eu entrando, eu quebrando o talo e fugindo com a rosa na mão. Sempre com o coração batendo e sempre com aquela glória que ninguém me tirava.

Também roubava pitangas. Havia uma igreja presbiteriana perto de casa, rodeada por uma sebe verde, alta e tão densa que impossibilitava a visão da igreja. Nunca cheguei a vê-la, além de uma ponta de telhado. A sebe era de pitangueira. Mas pitangas são frutas que se escondem: eu não via nenhuma. Então, olhando antes para os lados para ver se ninguém vinha, eu metia a mão por entre as grades, mergulhava-a dentro da sebe e começava a apalpar até meus dedos sentirem o úmido da frutinha. Muitas vezes na minha pressa, eu esmagava uma pitanga madura demais com os dedos que ficavam como ensangüentados. Colhia várias que ia comendo ali mesmo, umas até verdes demais, que eu jogava fora.

Nunca ninguém soube. Não me arrependo: ladrão de rosas e de pitangas tem 100 anos de perdão. As pitangas, por exemplo, são elas mesmas que pedem para ser colhidas, em vez de amadurecer e morrer no galho, virgens.


BIOGRAFIA

Clarice Lispector foi uma das mais célebres escritoras brasileiras de todos os tempos . Nasceu na Ucrânia em 1920. Enquanto brasileira, declarava-se pernambucana, já que morou no estado desde os 2 anos de idade. A autora morreu em 1977 no Rio de Janeiro. Suas principais obras foram “Perto do Coração Selvagem”, “Laços de Família” e “Felicidade Clandestina”, entre diversas outras. 
Clarice chamou a atenção em sua época, especialmente, devido à sua peculiaridade. Seus textos, ensaios, peças teatrais, crônicas e contos falavam de fatos simples do cotidiano, mas com uma visão muito diferenciada de uma mulher que nunca teve medo de “sentir demais” e que discorria sobre temas como amor, traição, amizade e liberdade, entre outros, com uma sutileza difícil de se encontrar.

Veja uma ANÁLISEDESTE CONTO aqui.



quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Questões de Vestibular - Literatura


Questões de vestibular - Literatura

USP - 2014 - Vestibular Fuvest

Ora nesse tempo Jacinto concebera uma ideia... Este Príncipe concebera a ideia de que o “homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado”. E por homem civilizado o meu camarada entendia aquele que, robustecendo a sua força pensante com todas as noções adquiridas desde Aristóteles, e multiplicando a potência corporal dos seus órgãos com todos os mecanismos inventados desde Teramenes, criador da roda, se torna um magnífico Adão, quase onipotente, quase onisciente, e apto portanto a recolher [...] todos os gozos e todos os proveitos que resultam de Saber e Poder... [...]
Este conceito de Jacinto impressionara os nossos camaradas de cenáculo, que [...] estavam largamente preparados a acreditar que a felicidade dos indivíduos, como a das nações, se realiza pelo ilimitado desenvolvimento da Mecânica e da erudição. Um desses moços [...] reduzira a teoria de Jacinto [...] a uma forma algébrica:

               Suma ciência
                       X                 = Suma felicidade
               Suma potência

E durante dias, do Odeon à Sorbona, foi louvada pela mocidade positiva a Equação Metafísica de Jacinto.

Eça de Queirós, A cidade e as serras.

QUESTÃO 010 - Sobre o elemento estrutural “oni”, que forma as palavras do texto “onipotente” e “onisciente”, só NÃO é correto afirmar:

a) Equivale, quanto ao sentido, ao pronome “todos(as)”, usado de forma reiterada no texto.

b) Possui sentido contraditório em relação ao advérbio “quase”, antecedente.

c) Trata-se do prefixo “oni”, que tem o mesmo sentido em ambas as palavras.

d) Entra na formação de outras palavras da língua portuguesa, como “onipresente” e “onívoro”.

e) Deve ser entendido em sentido próprio, em “onipotente”, e, em sentido figurado, em “onisciente”.

QUESTÃO 011 - O texto refere-se ao período em que, morando em Paris, Jacinto entusiasmava-se com o progresso técnico e a acumulação de conhecimentos. Considerada do ponto de vista dos valores que se consolidam na parte final do romance, a “forma algébrica” mencionada no texto passaria a ter, como termo conclusivo, não mais “Suma felicidade”, mas, sim, Suma

a) simplicidade.

b) abnegação.

c) virtude.

d) despreocupação.

e) servidão.

QUESTÃO 012 - Examine as seguintes afirmações relativas a romances brasileiros do século XIX, nos quais a escravidão aparece e, em seguida, considere os três livros citados:

I. Tão impregnado mostrava-se o Brasil de escravidão, que até o movimento abolicionista pode servir, a ela, de fachada.
II. De modo flagrante, mas sem julgamentos morais ou ênfase especial, indica-se a prática rotineira do tráfico transoceânico de escravos.
III. De modo tão pontual quanto incisivo, expõe-se o vínculo entre escravidão e prática de tortura física.

A. Memórias de um sargento de milícias;
B. Memórias póstumas de Brás Cubas;
C. O cortiço.

As afirmações I, II e III relacionam-se, de modo mais direto, respectivamente, com os romances
a) B, A, C.
b) C, A, B.
c) A, C, B.
d) B, C, A.
e) A, B, C.

GABARITO

QUESTÃO 010 - E
QUESTÃO 011 - E
QUESTÃO 012 - B

Questões de vestibular - literatura



USP - 2014 - Vestibular Fuvest

CAPÍTULO LXXI

O senão do livro

Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; eu não tenho que fazer; e, realmente, expedir alguns magros capítulos para esse mundo sempre é tarefa que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa contração cadavérica; vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...
E caem! — Folhas misérrimas do meu cipreste, heis de cair, como quaisquer outras belas e vistosas; e, se eu tivesse olhos, dar-vos-ia uma lágrima de saudade. Esta é a grande vantagem da morte, que, se não deixa boca para rir, também não deixa olhos para chorar... Heis de cair.
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.

QUESTÃO 007 - No contexto, a locução “Heis de cair”, na última linha do texto, exprime:

a) resignação ante um fato presente.

b) suposição de que um fato pode vir a ocorrer.

c) certeza de que uma dada ação irá se realizar.

d) ação intermitente e duradoura.

e) desejo de que algo venha a acontecer.


QUESTÃO 008 - Um leitor que tivesse as mesmas inclinações que as atribuídas, pelo narrador, ao leitor das Memórias póstumas de Brás Cubas teria maior probabilidade de impacientar-se, também, com a leitura da obra
a) Memórias de um sargento de milícias.
b) Viagens na minha terra.

c) O cortiço.

d) A cidade e as serras.

e) Capitães da areia.


QUESTÃO 008 - Nas primeiras versões das Memórias póstumas de Brás Cubas, constava, no final do capítulo LXXI, aqui reproduzido, o seguinte trecho, posteriormente suprimido pelo autor:

[... Heis de cair.] Turvo é o ar que respirais, amadas folhas. O sol que vos alumia, com ser de toda a gente, é um sol opaco e reles, de ........................ e ........................ .

As duas palavras que aparecem no final desse trecho, no lugar dos espaços pontilhados, podem servir para qualificar, de modo figurado, a mescla de tonalidades estilísticas que caracteriza o capítulo e o próprio livro. Preenchem de modo mais adequado as lacunas as palavras

a) ocaso e invernia.

b) Finados e ritual.

c) senzala e cabaré.

d) cemitério e carnaval.

e) eclipse e cerração.


QUESTÃO 009 - Considere as seguintes comparações entre Vidas secas, de Graciliano Ramos, e Capitães da areia, de Jorge Amado:

I. Quanto à relação desses livros com o contexto histórico em que foram produzidos, verifica-se que ambos são tributários da radicalização político-ideológica subsequente, no Brasil, à Revolução de 1930.

II. Embora os dois livros comportem uma consciência crítica do valor da linguagem no processo de dominação social, em Vidas secas, essa consciência relaciona-se ao emprego de um estilo conciso e até ascético, o que já não ocorre na composição de Capitães da areia.

III. Por diferentes que sejam essas obras, uma e outra conduzem a um final em que se anuncia a redenção social das personagens oprimidas, em um futuro mundo reconciliado, de felicidade coletiva.

Está correto o que se afirma em

a) I, somente.

b) I e II, somente.

c) III, somente.

d) II e III, somente.

e) I, II e III.


GABARITO

QUESTÃO 007 - C
QUESTÃO 008 - B
QUESTÃO 009 – D

Questões de Vestibular - Literatura



USP - 2014 - Vestibular Fuvest


Revelação do subúrbio

Quando vou para Minas, gosto de ficar de pé, contra a vidraça do carro*,
vendo o subúrbio passar.
O subúrbio todo se condensa para ser visto depressa,
com medo de não repararmos suficientemente
em suas luzes que mal têm tempo de brilhar.
A noite come o subúrbio e logo o devolve,
ele reage, luta, se esforça,
até que vem o campo onde pela manhã repontam laranjais
e à noite só existe a tristeza do Brasil.

Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo, 1940.

(*) carro: vagão ferroviário para passageiros.


Questão 002 - Para a caracterização do subúrbio, o poeta lança mão, principalmente, da(o)

a) personificação.

b) paradoxo.

c) eufemismo.

d) sinestesia.

e) silepse.


Questão 003 - Considerados no contexto, dentre os mais de dez verbos no presente, empregados no poema, exprimem ideia, respectivamente, de habitualidade e continuidade

a) “gosto” e “repontam”.

b) “condensa” e “esforça”.

c) “vou” e “existe”.

d) “têm” e “devolve”.

e) “reage” e “luta”.


Questão 004 - Em consonância com uma das linhas temáticas principais de Sentimento do mundo, o vivo interesse que, no poema, o eu lírico manifesta pela paisagem contemplada prende-se, sobretudo, ao fato de o subúrbio ser

a) bucólico.

b) popular.

c) interiorano.

d) saudosista.

e) familiar.


Questão 005 - No poema de Drummond, a presença dos motivos da velocidade, da mecanização, da eletricidade e da metrópole configura-se como

a) uma adesão do poeta ao mito do progresso, que atravessa as letras e as artes desde o surgimento da modernidade.

b) manifestação do entusiasmo do poeta moderno pela industrialização por que, na época, passava o Brasil.

c) marca da influência da estética futurista da Antropofagia na literatura brasileira do período posterior a 1940.

d) uma incorporação, sob nova inflexão política e ideológica, de temas característicos das vanguardas que influenciaram o Modernismo antecedente.

e) uma crítica do poeta pós-modernista às alterações causadas, na percepção humana, pelo avanço indiscriminado da técnica na vida cotidiana.

Questão 006 - Segundo o crítico e historiador da literatura Antonio Candido de Mello e Souza, justamente na década que presumivelmente corresponde ao período de elaboração do livro a que pertence o poema, o modo de se conceber o Brasil havia sofrido “alteração marcada de perspectivas”. A leitura do poema de Drummond permite concluir corretamente que, nele, o Brasil não mais era visto como país

a) agrícola (fornecedor de matéria-prima), mas como industrial (produtor de manufaturados).

b) arcaico (retardatário social e economicamente) mas, sim, percebido como moderno (equiparado aos países mais avançados).

c) provinciano (caipira, localista) mas, sim, cosmopolita (aberto aos intercâmbios globais).

d) novo (em potência, por realizar-se), mas como subdesenvolvido (marcado por pobreza e atrofia).

e) rural (sobretudo camponês), mas como suburbano (ainda desprovido de processos de urbanização).




Gabarito

Questão 002 - A
Questão 003 - C
Questão 004 - B
Questão 005 - D
Questão 006 – D